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Mulheres ceramistas: argila e resistência


Gravação do documentário "Vidas Moldadas" (Foto: Joaquim Cantanhêde)

O riso largo recepciona quem chega, dele ecoa o “bom dia” alegre de Maria Margarida, 56 anos, que deixa o balcão envelhecido para trás ao se aproximar dos clientes, um gesto diário. Pelo imenso galpão peças cerâmicas de todas as formas e cores, de gente a bicho. As horas seguintes revelariam bem mais que sorrisos. Para além do barro modelado, tradição que molda e ressignifica histórias vidas distintas, feitas de sonho, trabalho e dedicação diária, em um caminhar constante que deságua nas semelhanças.

Ao todo 30 mulheres ceramistas integram a Cooperativa de Artesanato do Poti Velho (Cooperart- Poti). A rua Desembargador Flávio Furtado, zona Norte de Teresina (PI), é o endereço em que fabricam, expõem e comercializam as peças artesanais. Seus relatos apresentam perspectivas que ajudam a compreender a dimensão dos trabalhos que desenvolvem. A relação entre elas e a argila, matéria prima de suas obras, transcende a lógica da subsistência.

Raimunda Teixeira, ceramista (Foto: Joaquim Cantanhêde)

Não por acaso, Raimunda Teixeira, 55 anos, descreve com tanto afinco a história que culmina com a criação da Cooperart- Poti, da qual é co-fundadora. “Na verdade eu trabalhava nas olarias carregando tijolo. Naquele tempo, década de 60, era uma das grandes gerações de renda”. O desejo de aprender a pintar e o diálogo com outras artesãs fizeram com que Raimunda tivesse contato com a cerâmica, traçando um caminho sem volta. Anos depois se tornaria a primeira presidente da cooperativa.

“O desafio foi sair da cozinha, da vida de dona de casa, da olaria, como eu saí, e me tornar uma artesã conhecida”, lembra Maria Margarida. Inicialmente a atividade era predominantemente masculina cabendo as mulheres o cuidado com os filhos e os trabalhos domésticos. Maria, à exemplo de outras, optou por transgredir uma lógica historicamente enraizada. Já são 12 anos de profissão. Cuidou de repassar aos filhos o que aprendeu nos cursos de modelagem, mesmo contrariando o esposo, que não via nela tanto futuro na profissão e não concordava com a ideia de ter um filho artesão.

Um pouco mais adiante, na parte de trás do galpão que abriga a Cooperart, encontramos Antônia Chaves. Ao seu redor inúmeras peças inacabadas em cima da mesa, outras sobre armários. Há também um canto reservado paras os instrumentos utilizados na fabricação. “O desafio que encontrei foi ele”, exclama fazendo referência ao marido. Sua história é semelhante a das companheiras de profissão. Atribui ao artesanato um outro sentido, resistência, em grande parte contra machismo estrutural que reduz o papel da mulher ao universo do lar.


“Disse para ele ir acostumando, pois não estava ali de enfeite. Tentava conseguir uma renda para ajudar... Foi acostumando, se adaptando, mas foi difícil”, relembra Antônia Chaves

Nesse emaranhado de enredos que se cruzam cabe o surgimento de novos protagonismos. Trajetórias de vidas forjadas em um espaço de sentidos múltiplos: para uma nova geração de artesãs lugar de trabalho e ao mesmo tempo espaço do brincar e aprender. Antônia Lisboa, 44 anos, por exemplo, tomou gosto pelo artesanato vendo, ainda pequena, o labor de sua mãe. Aprendeu as técnicas e hoje é presidente da cooperativa.

“Mas, como tudo na vida, há sempre uma pessoa que vê, critica. ‘Você vai fazer isso aí’. Depois foram vendo com o tempo que tá dando certo. Ganho meu dinheiro, minha vida mudou. Dependia só do marido. Hoje tenho minha renda, já ajuda. É gratificante demais”, destaca Antônia Lisboa.

Para Raimunda Teixeira, a criação da associação e as parcerias com outras instituições foram fundamentais para o aprimoramento das técnicas de trabalho e gestão. Graças aos cursos de capacitação as possibilidades de criação se ampliaram e com isso diversificaram a oferta, agregando qualidade e valor. Não por acaso, o trabalho desenvolvido pelas artesãs seja reconhecido para além dos limites da Zona Norte. Em 2013, ela representou as ceramistas piauienses na exposição “Mulher Artesã Brasileira”, evento promovido na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), nos Estados Unidos.


Dentre o farto leque de peças artesanais destaca-se a coleção “Mulheres do Poti”, que como o próprio nome sugere, retratam suas criadoras e com elas, lutas e perspectivas.


Os detalhes dessas histórias estão contidos no documentário “Vidas Moldadas”, que pode ser visto abaixo, produzido por estudantes do 8º período do Curso de Comunicação Social da Universidade Estadual do Piauí (Uespi). A produção traz, além dos relatos, imagens dos trabalhos em cerâmica feitos pelas mulheres artesãs.


“Foi uma das grandes experiências que eu pude ter. Me fez mais humana e valorizar mais o ato de ouvir as histórias dos outros. Às vezes, o jornalista esquece da importância de ter sensibilidade na hora de cobrir um fato. A história das mulheres do ‘Vidas Moldadas’ me mostrou o quão forte, determinada e guerreira uma mulher pode ser”, destaca Margella Furtado, uma das produtoras do documentário.

Maria Margarida, artesã (Foto; Joaquim Cantanhêde)

Os planos são muitos para as ceramistas. Além do espaço coletivo, boa parte delas tem o próprio ponto de venda. Maria Margarida que o diga. Estava prestes a inaugurar uma nova loja em outro ponto da cidade. Quando instigada a descrever sua vivência artesã, é enfática. “Quando eu vivia dentro da Olaria, pensava que viveria eternamente ali, não consegui me formar. Então, ou era dona de casa ou oleira... Me sinto vitoriosa a cada dia que passa”, responde trazendo para o diálogo o mesmo riso da recepção.



Por Joaquim Cantanhêde

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